Não tem jeito, a realidade é essa: assim
que uma mãe fica sabendo que uma menina cresce dentro de sua barriga ela
precisa aceitar o fato de que nos próximos anos terá em seu campo de visão bonecas
de todos os tipos, tamanhos, cores, roupas, perfis, etc., etc., etc.
Eu e Silvio sabemos que existem tantos
outros brinquedos e brincadeiras legais que nunca pensamos em comprar uma mini
Luna. E sabem o que mais? Luna já ganhou dez bonecas desde que nasceu. DEZ. Com
um pouco mais de um ano e meio, a pequena já tem bonecas de pano, que trocam a
fralda, que cantam, que tomam mamadeira, choram ou falam ao apertar sua barriga;
todas elas foram presentes de amigos ou de alguém da família, recebidas em
alguma data comemorativa.
É
fundamental incentivarmos que uma menina crie uma relação saudável com suas
bonecas, mas acredito que este é um assunto que precisa ser pensado um pouco
mais a fundo, principalmente pelos pais.
O
nosso sentimento ao olhar para um bebê é de imediatamente acariciá-lo. Para a
criança esse sentimento não é natural, inicialmente ela não enxerga aquele
objeto inanimado merecedor de carinho (mesmo que para nós pareça ser um
instinto materno), pois não possuí a referência dos adultos. Luna aprendeu a “ninar”
sua primeira boneca com 10 meses de idade, e os movimentos imitavam os gestos
que a avó paterna fazia quando a colocava pra dormir: a virava de ladinho e a
balançava pelas costas ou pelo bumbum, acariciando sua cabeça e cantarolando
baixinho. Aquela interação dela com a avó lhe causava uma sensação boa, aí então
ela considerava que aquele “bebê”, parecido com ela, também poderia receber tal
tratamento, depositando nele afeto e emoção, pela posição que ele passou a
ocupar em suas interações.
A boneca, antes de mais nada, é uma
representação do desejo do adulto; por ser pensada e “fabricada” por adultos,
reflete a forma que eles desejam que a criança interaja com o brinquedo. Com o
intuito de aumentar as vendas, as marcas desenvolvem bonecas cada vez mais
prontas, “perfeitas” e cheias de efeitos. Dessa forma impedimos as meninas de
exercitarem de forma plena o imaginário e prejudicamos seu desenvolvimento
físico, cognitivo e emocional. O movimento da fantasia é tão importante quanto
o movimento de seu corpo. Sobre os materiais das bonequinhas, a maioria é feita
de plásticos ou borrachas sintéticos; por não existiram na natureza, eles são
frios. Precisamos possibilitar que a
criança sinta diferentes tipos de materiais naturais (lã, feltro, algodão, etc.),
materiais estes que despertam calor e segurança. Quanto mais simples for sua
boneca, mais a criança se tornará ativa em sua fantasia. Em casa deixamos as
bonecas de tecido na cama, pois é com elas que Luna dorme abraçada de vez em
quando. As outras mais expostas a se sujarem, já que são mais resistentes e fáceis
de lavar.
Nas palavras do filósofo e cientista
austríaco Rudolf Steiner, “a boneca na mão de uma criança é para ela um espelho
de seu ser e de seu processo evolutivo”; por isso cada tipo de boneca é ideal
para uma faixa etária: para as nossas bebês, é indicado bonecas que se parecem
com bebês, pois representam os primeiros cuidados da mãe (e mesmo do pai), da
avó, etc.; de preferência as de pano, por transmitirem afetividade. Já as bonecas
com aspecto de “mais velhas” devem fazer parte das brincadeiras de crianças
maiores, pois representam a vida social adulta, trazendo segurança e
desenvolvendo sua autonomia. Confesso que muitos modelos das tais bonecas-moças
me assustam: salto-alto, maquiagem e roupas justas. Tive Barbies com esse
perfil e isso não me fez ver nelas o modelo ideal de mulher adulta, mas os
tempos eram outros e as influências externas também.
Como Luna ganhou as bonecas que tem e
como todas essas questões sobre o ato de brincar não fazem parte de conversas
diárias da maioria das pessoas, não tenho como julgar suas escolhas no momento
da compra. Antes de começar a refletir sobre o assunto, há poucos dias atrás (no
meu caso as reflexões acontecem de acordo com a evolução e o crescimento da
Luna, conforme vão fazendo sentido), eu mesma poderia ter comprado um exemplar
semelhante aos que ela tem para dar de presente.
Sei que todas as bonecas que Luna ganhou
foram datas com muito carinho. Minha filha adora seus “nenéns” e não é minha
intenção impedir que ela brinque com as bonecas que já tem. Então o que fazer
com tantas criaturinhas? Deixá-las guardadas no armário e ir dando aos poucos?
Teria sido uma boa opção se eu não tivesse certeza de que, com o tempo e com a
chegada de novas datas comemorativas, mais delas virão; isso foge - em parte -
do controle dos pais. Abrir todas e deixá-las num único lugar só se eu não
quisesse mais sentar no meu sofá pra assistir televisão e preferisse realocar
uma cadeira da cozinha, por exemplo.
Então
o fluxo dos acontecimentos foi possibilitando que os “nenéns de brinquedo”
fossem se espalhando pelos espaços onde Luna circula. Sem querer, fomos
deixando umas na cama (as de pano), na sala, no banheiro (a de dar banho), no
carro, na casa da avó materna, no carro da avó materna e na casa da avó
paterna. Dessa forma, conseguiremos manter as “amigas” de Luna sempre próximas,
a acompanhando em todos os seus momentos, de brincadeiras, de alegrias e de tristezas;
ao dormir, ao acordar, tomando banho, café da manhã ou compartilhando no carro
como foi seu dia na escola.