Aquela manhã começou com o poema da Cora Coralina, lido
pela diretora da escola. Collants, saias,
meias-calças e sapatilhas, com pequenas bailarinas dentro, alinhavam-se em
duas fileiras, sentadas no chão. Olhando pelo grande espelho da parede da sala,
podiam ser vistos pais, mães, avós, tios, irmãos e primos, sentados em colchonetes
ou de pé, nos cantos da sala, tentando arranjar o melhor ângulo para seus
olhares atentos e também para os flash e lentes de suas câmeras.
Quando a música começou, saindo das caixas de som da
academia, uma sensação de nostalgia me preencheu por completo. Voltei 17 anos
no tempo e lembrei-me de como a brincadeira de dançar era coisa séria pra mim.
Bolhas nos pés, caixas de grampo de cabelo e coleção de polainas; aulas de
alongamento, exercícios na barra e provas individuais na frente do resto da
sala; corpo alongado, queixo pra cima e movimentos leves; a vontade de fazer
melhor, mais rápido e com mais perfeição.
Ver Luna naquele grupo de pequenas bailarinas encheu meu
coração de ternura. Lembrei os olhares e sorrisos da minha mãe, que me
acompanhou durante os três anos de dança, em todos os festivais, apresentações
e mostras das quais o grupo da academia participou. Com os dois pés na
adolescência, em alguns momentos eu senti vergonha de ter a mãe tirando mil
fotos, perguntando se eu estava com fome, se eu estava com sede, e mesmo me
elogiando na frente de outras pessoas. Adolescente é um porre!
Agora eu era espectadora, olhares fixos na cria. Mas eu
também recebia os olhares de Luna, conforme fazia os exercícios e passinhos
mais infantis possíveis; ela olhava pra mim com um sorriso tímido, e acho que
conseguia ver meu rosto todo iluminado de orgulho, pelo simples fato dela estar
ali, fazendo o seu melhor, junto com as amigas. Percebi que, anos atrás,
enquanto eu dançava, o corpo, o suor e os movimentos eram meus, mas a presença
da minha mãe e aquele olhar que me seguia pelo palco eram a minha segurança. O
dinheiro gasto com roupas, fantasias, maquiagem, inscrições, boletos de
mensalidade, viagens; a sacola de lanches, quando passávamos horas dentro de um
teatro, marcando palco, ensaiando e nos arrumando; as horas de pé no sol, no
estacionamento de um shopping ou numa rodoviária de São Paulo; as horas de
espera, as horas longe de casa, do meu pai e do meu irmão; aguentar me vendo
dormir de collant e meia-calça e
comer igual troglodita.
E eu nunca tive maturidade suficiente de agradecê-la por
tudo; e esse ‘tudo’ é muito, mesmo! Se eu tive experiências incríveis em
relação à dança, se eu conheci pessoas que são queridas até hoje, se eu tive a
oportunidade de estar em cima de um palco, devo a ela. Também devo ao meu
velho, claro! Escolhas e decisões sempre foram feitas em família. Não sei se
Luna terá a rotina que tive durante aqueles três anos e, independente das
escolhas que ela faça, só espero ter o oportunidade de estar ali, com lanches e
amor.