O primeiro registro que tenho na memória de uma peculiar situação que aconteceu na família é: Silvio mexendo no cabelo da nossa cria, ambos sentados no sofá da sala, enquanto eu lavava a louça do jantar. De repente ouço a seguinte frase: “Li, acho que eu vou cortar o cabelo da Luna”.
Pára tudo!!! Vamos voltar só um pouquinho: Luna já nasceu cabeluda. Era tanto cabelo que, se fosse verdade a tal lenda urbana que diz que é proporcional a sensação de azia que a progenitora sente dependendo da quantidade de cabelos de seu feto, eu teria montado uma mini-casa no banheiro pra poder ficar vomitando com a cara enfiada na privada durante os últimos meses de gestação. O que não aconteceu.
O primeiro corte de cabelo da pequena foi aos quatro meses – Luna já era linda, mas os cabelos... – e assim a tesoura veio visitá-la a cada três meses desde então. No dia D do primeiro parágrafo deste texto, Luna estava com uma vasta (vasta!) cabeleira, quase um capacete. Mas uma criança do tamanho dela com cabelo comprido é desproporcional; por isso estávamos deixando as madeixas crescerem até o ponto certo pra fazer um corte moderninho: apenas dar uma repicada na frente, deixar com movimento e tirar um pouquinho de volume. Eu ainda iria pesquisar uns modelos de cortes e tal, sem pressa.
Quando Silvio fez a proposta indecente (isso sim é uma proposta indecente para uma mãe de menina!) aquele dia, eu quase caí pra trás. No começo achei que ele estava brincando e que eu iria fazê-lo mudar de ideia num piscar de olhos, porque minha primeira reação foi: “Não ouse encostar no cabelo dela”. Aí, como bom publicitário, ele foi desenvolvendo aquele discurso de que ele sabe o que faz, que eu precisava confiar mais nele, que seria simples, coisa e tal. Resolvi encerrar a conversa ali mesmo, confiando que aquela maluquice não iria adiante.
Minutos depois ele sai de casa dizendo que iria conversar com o vizinho; isso é comum, já que ambos estão no conselho administrativo do condomínio e o que não falta é pepino pra ser resolvido. Silvio volta de lá dizendo: Já sei como cortar o cabelo dela.
Abre parênteses
A mãe da nossa vizinha é cabeleireira, foi ela quem cortou o cabelo da Luna a maioria das vezes e ela estava na casa ao lado na noite em questão. Portanto, uma ova que ele foi bater na porta ao lado pra falar com o vizinho.
Fecha parênteses
Jura mesmo que ele não tinha desistido da ideia?! Tentei conversar novamente, dizendo que não era do jeito que ele imaginava, que pessoas estudavam para aprender as técnicas certas, que Luna iria se mexer muito e isso faria com que o ato de cortar se tornasse muito mais difícil. Quando percebi que a batalha estava vencida, decidi me conformar e rezar: Silvio faz tudo muito bem feito, ele é metódico e detalhista, não vai fazer cagada no cabelo da minha filha; em último caso, cabelo cresce. Amém!
Silvio arrastou o móvel da lavanderia pra ganhar espaço e levou a banqueta da cozinha pra lá. A capa que colocamos na Luna para que ela não se sujasse de cabelo foi o roupão que Silvio ganhou quando comprou o box com os cinco filmes da sequencia de Rocky Balboa. Silvio ficaria com a função de cortar o cabelo (AI MEU DEUS!!!) e eu com a de distrair a pequena... Vítima. Não foi fácil, momentos de risada, de choro irritado e de silêncio por parte dela; e agonia pura dentro de mim. Mas preferi entoar internamente o mantra ‘Silvio sabe o que está fazendo, Silvio sabe o que está fazendo’. Preferi focar na pequena e nem olhar os cabelos que caíam no chão. Os minutos finais foram terríveis, Luna queria sair dali de qualquer jeito, mas já que havíamos começado o processo, precisaríamos terminá-lo. Quando Silvio considerou que havia finalizado o trabalho, peguei minha filha e a levei direto pro banho; ela estava parecendo um Ewok (mais bonitinho, claro!) e a ideia era tentar desgrudar o quanto antes aquele monte de cabelos de seu pescoço, testa, bochechas e qualquer parte do corpo que estivesse ficado à mostra.
Banho tomado, cabelo seco. Parei pra olhar o resultado e uma tristeza envolveu meu coração. Luna continuava uma graça, mas seus cabelos... Algumas das longas e lisas madeixas, que antes chegavam até seu pescoço, estavam agora curtinhas, BEM curtinhas. Não gostei e fiquei bem puta com Silvio por ter insistido tanto na ideia; mas fiquei mais puta da vida comigo mesma, por ter concordado em levar a tal da ideia adiante. Deixei bem claro que esta tinha sido a primeira e única vez e depois disso não falei mais com ele o resto da noite, ainda inconformada. Eu só pensava em arranjar uma cabeleireira de verdade pra arruma o estrago, no matter what.
No dia seguinte, a caminho da escola, passamos num salão perto de casa que estava ainda abrindo as portas. Começamos uma conversa com a funcionária sem mesmo sair do carro e assim que ela informou que tinha experiência em cortar cabelo de crianças pequenas, não tivemos dúvida: “Moça, coloque esta tesoura pra trabalhar já!... Por favor!” Como tudo ainda estava muito recente, fui tratando de compartilhar a insatisfação da Luna minha insatisfação com a tal cabeleireira; e o que eu ouço em troca? “Não ficou ruim, não. Ficou bom, só precisa de uns ajustes”. Era o tal do inferno astral, só podia ser. Foi o ponto inicial pra eu passar dias ouvindo que só porque EU não havia gostado não é que tinha ficado ruim; mas Silvio também concordou em nunca mais repetir a dose.
(Mais) alguns fios de cabelo a menos e duas presilhinhas de lado, deixamos Luna na escola. Ao buscar minha pequena Joana no final da tarde, leio assim na agenda: “Nossa pequena ficou linda com esse cabelo.” Hunf! Foi combinado! Só pode ter sido combinado! Mas também teve gente que disse que preferia Luninha com sua vasta cabeleira. Ponto pra mim!
Três dias depois fiz um almoço pra comemorar minhas 28 primaveras. Foram basicamente os mais chegados da família e amigos de longa data. Todos que elogiavam o novo penteado da filha da aniversariante eu discretamente fazia o sinal de silêncio e torcia pra que Silvio não estivesse por perto.
Passado um mês desde o dia que Sansão perdeu a força – ou não, Luna continua carregando coisas pela casa toda – o corte já melhorou bem; aliás, está quase na hora de tirar a franja dos olhos. O corte está bem moderninho e prático, pra lavar e pra secar quando precisa. Praticamente esqueci como era o cabelo da Rapunzel; tudo que tenho que fazer é esperar o cabelo crescer e, enquanto isso, não olhar as fotos de um mês atrás.
Aiai, Aline, te entendo. Aqui o marido insistiu muito pra cortar o cabelo da Beca mas eu fui irredutivel. Como ela tem cabelo cacheado, além de eu achar cabelo comprido muito mais bonito, se errar o corte fica muito mais perceptivel.
ResponderExcluirO Taz, meu esposo, desistiu quando concordamos que se cortarmos os tão amados cachos eles não voltarão a crescer - o cabelo da Beca está crescendo cada vez mais liso. Então, para preservar esse marco de infância bebezistica cortamos o cabelo dela 1 unica vez em 3 anos quase.
Mas agora quem quer ir no salão cortar é ela, toda princesa. Faço o que?
bjs
Di
Isso eh tudo intriga da oposição. Eu fiz um corte super moderno e todos adoraram. Principalmente a pequena, pq dava pra ver a agonia dela com aquela cabeleira caindo no rosto dela o tempo todo. E como a própria mamãe disse, ficou bem prático... Eh impossível a minha princesa não ficar linda, seja cabeluda, descabelada ou careca. Hehehehe
ResponderExcluirSilvio, certeza que a Li só não gostou porque não foi ela que fez!
ResponderExcluirRsssss