terça-feira, 27 de novembro de 2012

Conversa na madrugada (Da série 'Curta do dia')

Luna fica na escola período integral; e praticamente todos os dias tira uma soneca depois do almoço. Mas às vezes a bagunça tá tão boa que ela simplesmente não quer perder tempo deitada na cama.

Ontem foi um desses dias. Quando Silvio a pegou na escola, no final da tarde, ela tinha acabado de dormir e não acordou nem quando chegou em casa, quando Silvio a tirou da cadeirinha do carro. Sabemos que quando é assim, seu corpinho quer descansar até o dia seguinte.

De madrugada acordo com ela sentada na cama dizendo “Peta? Peta? (chupeta)”. Meio múmia, meio zumbi, procurei a chupeta na cama, devolvi à ela e fiquei olhando aqueles olhinhos que me pareceram muito bem acordados. E aqui uma confissão sem culpa alguma: se o cansaço é muito, muito tipo ontem, minha única reação é pegar a pequena e levá-la pra minha cama, assim garanto que não precisarei mais levantar por qualquer motivo que seja. Como cama de mãe tem sonífero, assim que deitou a cabeça no meu travesseiro, Luna dormiu.

E dormimos todos sem interrupção? Acho que não...

Lá pelas tantas – vai saber a hora... – acordo com um “Mamããããe! Mamããããe!”, com uma voz animada como se fosse quatro da tarde. Quando meu consciente voltou das profundezes do mar, percebi que o mundo caía lá fora. O barulho da chuva era similar ao de uma cachoeira que estivesse na cabeceira da cama. Assim que percebeu meus movimentos, Luna começou: “Alulho! (barulho) Alulho! Tatai (papai) banho onete (sabonete)”. Sem perceber que o pai estava deitado ao seu lado, Luna relacionou o barulho da fúria de Poseidon ao do chuveiro e repetiu mais algumas vezes: “Alulho! Tatai banho onete”.

Achei aquela conversa tão engraçada e a linha de raciocínio tão interessante pra uma criança tão pequena... Mas eu não queria deixar Luna com “informações erradas”. Disse que o papai não estava tomando banho, que ele estava deitado ao seu lado. Ela olhou pra ele e passou a mão em seu rosto. Eu expliquei que aquele barulho era de chuva. “Uta?” “Sim, filha, chuva, lá fora.”

Ela parou, me olhou e a minha credibilidade durou cinco segundos: “Alulho! Tatai banho onete.” Entreguei os pontos. Os segundos depois foram de convencimento pra que ela voltasse a dormir. Beijei sua bochecha e virei de lado. Acho que a explicação funcionou, ou foi o barulho da chuva que a adormeceu de novo.