sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A ausência de um sopro... E o exercício do vazio


Desde que Luna nasceu, dedico algum tempo do meu dia pra navegar na blogosfera materna. E esse é um mundo que eu nunca imaginei que existisse até então. O que descobri foi que muitos desses blogs não são apenas diários virtuais de mães babando em seus filhos; eles possuem uma variedade de tons, jeitos, formas e interesses que dariam uma colcha de retalhos.

E o que a grande maioria permite, principalmente pra mães de primeira viagem, não é apenas saber o que se passa na vida dessas famílias, mas conhecer todo um universo que gira em torno dos bebês e das crianças; tanto pro bem, como pro mal.

Mas falando da parte boa, foi num hiperlink de algum dos blogs que acompanho que conheci os textos da Eliane Brum. Há quem pense: “Nooooooooooooooooooossa! Ela não conhecia a Eliane Brum antes?! Tá por fora, hein colega?!” Pois bem, não conhecia. E ela veio até mim através do texto - já lido por muitos – “A dor dos filhos”. Na época que ele foi publicado (começo de novembro do ano passado) eu li, achei incrível, refleti sobre a minha relação com Luna, concordei com cada palavra que disse, salvei na minha pasta de favoritos e fui fazer outra coisa na Internet.

Mas o aniversário de dois anos da pequena, no começo deste ano, fez com que as palavras daquele texto me encontrassem no meio da multidão, caíssem todas na minha cabeça e ficassem penduradas na barra do meu vestido.

Primeiramente, duas informações importantes: na escola da Luna, os aniversários são comemorados semanalmente, caso alguma criança naquela respectiva semana tenha completado mais uma primavera e a mãe tenha interesse em compartilhar a felicidade da família com os amigos da escola; outra coisa, as festinhas são coletivas, ou seja, acontecem na hora do lanche da manhã ou do lanche da tarde, no refeitório, para toda a escola, aproximadamente 60 crianças.

Com isso conclui-se que Luna passou um ano cantando parabéns para os amigos “semanalmente”, ouvindo seus nomes sendo gritados pelos outros alunos e consequentemente os vendo assoprar suas respectivas velas e ganhando abraços das ‘tias’. E na segunda quinzena de janeiro deste ano, seria sua vez. Seria?!

Bem, pra contextualizar, eu não estava presente na festa, mas a escola permite que os pais enviem uma máquina fotográfica Canon 7D simples para que as professoras registrem o momento. E bem sabendo da minha eterna preferência por vídeos (ao invés de fotos), minha mãe, consultora pedagógica da escola, que estava presente no dia, gravou na íntegra o momento mais esperado da festinha.

Como a ideia é justamente compartilhar a felicidade, assim como aconteceu no aniversário das outras crianças, no momento do parabéns, Luna ficou atrás da mesa do bolo e junto com ela as outras três  crianças da sua sala – duas delas (um menino e uma menina) amigos dos quais ela sempre fala e gosta muito - que estavam na escola no dia. Até aí tudo lindo, felicidade estampada no rosto.

E a música tema de todo aniversário começou a ser cantada. Luna não sabia se ria, se olhava para o bolo, pra vela, pras pessoas; ficou com aquela expressão de feliz-encabulada por ser o centro das atenções. E a cada palavra cantada, a expectativa ia aumentando, pois logo menos seu nome seria dito em voz alta por todos. A cada frase Luna preparava o biquinho pra assoprar sua vela branca com o número dois.

“Luna! Luna! Lu...” A terceira palavra ficou incompleta na boca de seu amiguinho de sala, pois muito rapidamente ele parou de cantar, passou na frente da minha pequena e assoprou sua vela, antes que ela pudesse chegar próximo ao bolo. A surpresa foi geral e a reação que todos tiveram ao mesmo tempo foi... Rir. Todos menos Luna. Sua primeira expressão foi de espanto, supostamente sem entender o que havia acontecido. E segundos depois, fez o biquinho mais doce e triste do mundo, levou as duas mãozinhas fechadas ao rosto e começou a chorar. (pausa para enxugar minhas lágrimas, que estão molhando o teclado). Claro que não foi por maldade, o menino tinha um pouco – bem pouco – mais de dois anos; foi espontâneo e sem pretensões de magoar ninguém.

Conversando com minha mãe, ela disse que a choradeira durou um tempinho, mas que em seguida a vela foi acesa de novo e aí sim Luna conseguiu assoprá-la. Mas aí, a magia já tinha sido quebrada, né não?! Pelo menos pra mim... Que criança sonha, durante um ano, em assoprar a vela de seu próprio bolo em “segundo lugar”?! Assisti ao vídeo repetidas vezes e em todas senti meu coração apertado. A vontade que eu tinha era de colocar o moleque pendurado numa árvore de cabeça pra baixo pular na tela e abraçar minha filha, sem dizer nada. “Não foi nada! Foi uma vela que ela poderá soprar mais muitas vezes durante a vida.” Mas, ao contrário de hoje, lembro tão bem como, quando criança, cada aniversário meu era desejado e esperado com toda força, como se fosse um dia que o mundo parasse, como se todos estivessem pensando em mim o tempo todo.

E na hora lembrei-me do texto da Eliane Brum. Posso até ter entendido o texto errado, não ter captado a essência do que ela disse, mas relacionei uma coisa à outra assim que assisti ao vídeo do parabéns pela primeira vez. E lembrei-me de um trecho bem específico: “Lembro-me de que, naquele momento, as lágrimas pingaram dos meus olhos, como de uma torneira mal fechada. Eu soube ali que jamais poderia tapar aquele buraco, que teria de testemunhar para sempre aquela luta íntima na qual cada um de nós está só. Sempre só. Eu assistia a ela desde já, tão pequena, tão frágil, tão confiante no meu poder ilusório, debatendo-se com a vida. E para sempre diante dela eu pingaria como uma torneira mal fechada. (...) a certeza de que proteger minha filha era uma missão desde sempre fracassada”.

O momento ao qual Eliane se refere no texto foi quando sua filha, na época com três ou quatro, estava no chão tentando brincar. Ela via seu esforço, e seu fracasso. Eliane, que na época tinha aproximadamente 18 anos, teve uma atitude em relação à filha que eu, com 28, não teria tido se estivesse na escola da Luna no dia de sua festa:“Eu sabia que tudo o que eu podia fazer era me manter em silêncio. Que ser mãe, naquele momento, era ser capaz de vê-la debater-se com o vazio, testemunhar o início de seu longo embate vida adentro. E acho que ali, como deve acontecer com os pais e mães que percebem esse momento exato, uma fissura nova se abriu em mim. Esta que para sempre me faria pingar como uma torneira mal fechada”. E fiquei pensando que, se eu estivesse na escola naquele dia, eu teria ido pelo caminho contrário, teria sucumbido ao impulso de justamente ir até Luna, abraçá-la e dizer o que quer que fosse para acalmá-la. E só ao pensar no texto eu percebi que estaria privando Luna da sua própria construção de sentidos. Eliane me presenteia de novo: “É o que fazemos como pais neste momento em que um filho descobre o vazio, um momento mais importante do que a primeira palavra ou o primeiro passo ou o primeiro dente, que também nos torna pais. É preciso aguentar. Saber aguentar e escutar a dor de um filho, sem tentar calar com coisas o que não pode ser calado com coisa alguma, é um ato profundo de amor. Um momento sem palavras em que nosso silêncio diz apenas que a tarefa de criar uma vida que faça sentido é dele, pessoal e intransferível. E tudo o que poderemos fazer é estar mais ou menos por perto, ainda que nada possamos fazer”.

Pelas fotos tiradas momentos depois, era nítido o quanto o ocorrido tinha ficado pra trás, pois ela estava radiante comendo seu bolo, sentada à mesa com seus amigos. E isso só comprova que, para o bem dela, terei que deixá-la ter seus momentos de vazio; terei que fazer esse exercício diariamente, mesmo sendo muito, muito difícil. Acho que vou errar muito, pois a dor de vê-la sofrer, por mais passageira que seja, por mais que não fique, pelo menos por enquanto, registrada em suas lembranças emocionais, não me deixa ficar com os pés fixos no chão, com os braços grudados ao lado do corpo e com os lábios colados.