terça-feira, 21 de maio de 2013

Realidade e imaginação

Faz certo tempo que Luna vem desenvolvendo uma relação diferente com o brincar. Até seus dois anos, a boneca era só um objeto que ela gostava de carregar e abraçar; quando terminávamos de ler um livro, a história ficava toda dentro dele assim que era fechado; as relações familiares eram “tradicionais”: eu era a mãe, ela, a filha, Silvio era o pai e minha mãe, a avó.

De alguns meses pra cá fui notando que ela passou a criar brincadeiras e que sua imaginação começou a experimentar. Acredito que todos que estão próximos dela sempre possibilitaram ambientes onde ela tinha liberdade para se expressar, tanto em casa, como na escola ou nas casas das avós.

Aposto também que o afeto tem papel fundamental nessa “tradução do mundo real”, pois de nada adiantaria estimular o lúdico de forma automática e sem envolvimento carinhoso dos cuidadores. Por exemplo: faz algumas semanas que Luna resolveu inverter os papéis: agora ela é a mamãe e nós somos seus filhos. Ela sempre foi muito carinhosa, mas a maneira como se comporta quando está no papel de mãe me espantou desde o começo: é um abraçar e beijar constante, sempre pede que deitemos e nos nina com músicas e afagos. Acho que isso só acontece, pois ela vivencia este tipo de relação desde que nasceu; ela imita gestos e comportamentos que são comuns no seu dia-a-dia e que já estão internalizados. “O que dá vida à criação e ao brincar infantil é o mundo interno de desejos e sentimentos da criança.”

Outra situação recorrente em casa é a transposição do livro para as brincadeiras em família. Sempre lemos histórias diversas, alguns clássicos conhecidos e outras de autores novos. Mas desde o começo Luna se encantou – se esta for mesmo a palavra certa – pela personagem do Lobo Mau. Quando sentávamos na cama pra ler, o primeiro livro que pegava era Os Três Porquinhos. Como em casa não sabemos contar uma história sem “entrar nas personagens”, acabamos dando certa vida a todos eles, inclusive ao vilão: a voz é grossa e os sopros nas portas fazem voar os cabelos de Luna. E eis que a pequena começou a falar no assunto, mesmo quando estávamos entretidos com outra coisa. Primeiro apontava todo canto escuro dizendo que o “lobo” estava ali; não tinha um tom de medo na voz, mas a lembrança era constante. E a saída foi explicar que o tal do Lobo Mau mora somente nas histórias; que nas florestas temos os lobos, mas aí é diferente. De uns tempos pra cá, ela começou a lidar com a história de outro jeito, agora ela era o peludo: olha pra gente com cara de brava, mostrando as “presas”; “garras” na frente do corpo. E foi natural, não uma sugestão nossa. A gente, claro, entra na brincadeira. Segundo a Dra. Vanda Cristina Moro Minini, os “temores de uma figura imaginária amedrontadora, formada em sua mente a partir de seus próprios impulsos e sentimentos, podem ser enfrentados em uma brincadeira de monstros e fantasmas”.
Recentemente a menina com a capa vermelha também entrou na lista das histórias preferidas, e novamente o lobão voltou a aparecer. Outra coisa interessante que a Dra. Vanda diz é que, “embora no faz de conta exista a fantasia e a imaginação, ela só se torna presente por que existem elementos da realidade circundante, que é decisiva para o surgimento da brincadeira.” Ou seja, as histórias são fantasia, mas como os livros (com figuras) - no caso de Os Três Porquinhos – e o teatro – no caso de Chapeuzinho Vermelho - existem no mundo real, Luna não sabia se aquilo existia mesmo ou se era fantasia; e agora, que está começando a compreender, acabou “entrando na personagem”.   
              
Da mesma forma que me preocupo muito em criar ambientes lúdicos e passar o maior tempo possível com Luna realizando atividades construtivas, sei que preciso praticar intensamente o exercício do desapego e deixar a cria brincar sozinha; não sei direito lidar com essa necessidade das crianças e fico achando que ainda preciso estar o tempo todo junto. Estou tentando, estou tentando... Mas às vezes acontece sem querer: eu e Silvio precisamos cuidar da casa ou trabalhar e Luna acaba tendo que ficar brincando uns minutinhos sem nossa participação na sala ou no quarto. E em momentos como estes percebo que ela cria situações onde se expressa através de seus brinquedos; sinto que ali ela reflete através de bonecas, carrinhos e outros objetos, diferentes experiência que já teve com o mundo e com seus próprios sentimento e pensamento; fala muito sozinha e com seus brinquedos; e assim cria novos elementos, constrói novas realidades a partir de suas necessidades. Ali ela pode ser quem ou o que quiser.

Aurélia Regina de Souza Honorato diz que “mesmo que uma vivência seja fantasiosa, o sentimento que ela traz é da realidade. São os sentimentos influenciando a imaginação e a imaginação influenciando os sentimentos”. Concordo plenamente!

Um comentário:

  1. Querida que ela está, fazia um tempinho qu enão passava por aqui. Sabe que aqui em casa eu contei aquela histíria do Chico buarque, Chapeuzinho amarelo. E o lobo virou bolo, como na história. Beijões pra vcs!

    http://www.antonellaesuaboneca.blogspot.com.br/

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