“Filha, nossa primeira viagem de férias
foi maravilhosa; você não deu um pingo de trabalho. Lembro que você detestava
usar a parte de cima do biquíni, dizia que machucava o pescoço. Deixamos assim,
à vontade, já que você ficava só com a parte de baixo quando íamos para o sítio
do seu avô. Não foi possível viajar antes, pois estávamos construindo a nossa
casa, então o foco financeiro era este. Na época você comia super mal, mas
adorava o queijo coalho vendido na praia, aquecido na hora, em latas velhas com
um fogaréu improvisado. No último dia da viagem havia acabado o dinheiro, não tínhamos
nem pra comer: aproveitamos o café da manhã do hotel e passamos o resto do dia à
base de lanches.”
Foi mais ou menos com estas palavras
que, olhando as poucas fotos impressas num álbum colorido, meus pais se recordaram
da primeira grande viagem de férias que fizemos em família, 24 anos atrás,
ainda sem a presença do meu irmão. Aquela seria a primeira de muitas e a paixão
deles pelo litoral e suas paisagens nos levariam de volta ao Nordeste mais
algumas vezes. Eles sempre preservaram muito a instituição familiar e, mesmo
isto sendo demonstrado de diversas formas no cotidiano, acho que essas viagens
era a forma de celebrarmos o amor de estarmos juntos.
Fica fácil concluir que não tenho sequer
uma lembrança ruim das viagens, mas a minha memória não é muito confiável. Devo
ter me estapeado algumas vezes com meu irmão ou fazer cara feia por não
aguentar mais andar de um lugar para o outro. Isto aparece impresso. A obsessão
da minha mãe pelo registro fotográfico deve ter nascido com ela e lembro que
muitas das fotos durante toda a infância as viagens tirei a contragosto:
eu detestava ficar parada no meio da areia olhando pra câmera, me sentia uma
turista panaca. Por isso que hoje eu tento ao máximo tirar fotos “naturais” da
Luna, mas confesso que “Filha, olha pra mim” já foi dito incontáveis vezes
deste que a cria nasceu. Cuspi pra cima e caiu na testa, nos olhos, no nariz e
na boca.
A última vez que planejamos uma viagem
dessas foi pra Natal, em 1998. Lembro que foi intenso pra mim, intensidade de
menina de treze anos. Fizemos amizade com uma família e os filhos deles eram um
casal de gêmeos três anos mais velhos do que eu. O menino era lindo, mas
namorava e, por mais que fosse atencioso, me via como criança, porque na época
eu não queria deixar de ser criança, mas outros sentimentos ainda desconhecidos
começavam a aparecer. Tive que engolir aquela paixonite não correspondida de
verão. Também foi intenso, porque meus pais têm o lema de ‘aproveitar o máximo
que puder’, então fizemos passeios todos os dias. Depois disso, meus velhos resolveram
construir uma casa no interior e a renda extra do mês novamente tinha um foco
bem específico.
Quinze anos depois, meu retorno à parte
de cima do Brasil teve como destino justamente Natal. Ter a possibilidade de
revisitar lugares tão lindos agora como mãe seria especial, simplesmente pela
simbologia do tempo, por saber que estarei passando no mesmo lugar que passei há
15 anos com meus pais e meu irmão. Tenho aquela nostalgia boba de estar num
lugar e praticamente sentir as pessoas do passado ali comigo, mesmo que uma
dessas pessoas seja eu. Pra mim tem a ver com amadurecimento, com toda vida que
passou por mim entre os dois momentos.
A viagem aconteceu meio por acaso. No
começo do ano ficamos sabendo que parentes portugueses do Silvio viriam visitar
o Brasil e um dos destinos seria o Nordeste. Na época eu jamais imaginei que
fosse ultrapassar os limites de São Paulo tão cedo, por questões econômicas
mesmo, visto que ainda não havíamos terminado de quitar a dívida da casa. Mas além
dos parentes da terrinha, meus dois cunhados confirmaram a viagem, e Silvio, há
seis anos sem tirar férias, viu ali a oportunidade de uma experiência em
família. Algumas coisas na vida podem não ter segunda chance e, depois de
pesquisar preços e avaliar a situação financeira, resolvemos encarar o desafio.
Luna tem uma prima um pouco mais velha
do que ela. O encontro semanal é garantido e durante todo o dia as duas não se
desgrudam. Quando meu cunhado disse que não levaria a filha na viagem, por
questões que não cabem aqui, Silvio cogitou a possibilidade de também deixar
Luna com os avós. Mas a ideia bateu e voltou, na mesma hora! Luna adora a praia
e eu jamais tiraria dela uma experiência dessas: aprendizagem baseada na
convivência, na descoberta das novidades e no prazer. Não existiam argumentos
que justificassem privá-la de passar uma semana conosco. Silvio entendeu que,
mesmo ela exigindo uma série de cuidados relativos à sua idade, a primogênita já
possuía independência para realizar muitas das tarefas cotidianas.
Decisão tomada, logo em seguida o
turbilhão de coisas do dia-a-dia ocuparam totalmente minha atenção e a viagem
foi deixada de lado por um bom tempo. Mas conforme a data da partida se
aproximava, fui ficando ansiosa a ponto de sentir frio na barriga quando
lembrava que, em breve, iríamos fugir da rotina com uma intensidade sem
precedentes, que iríamos sair da "zona de conforto" sem ter ideia do que
nos esperava, porque nada do que havíamos feito até então se comparava com o
que estávamos prestes a experimentar. E é claro que meus maiores receios tinham
a ver com a Luna: a viagem de avião, o tempo longe de casa, a alimentação, o
convívio intenso com as mesmas pessoas durante uma semana, a programação dos
dias de passeio... Eu estava radiante de revisitar um lugar do qual tinha
ótimas lembranças, mas a razão pela qual eu topei encarar o desafio era
proporcionar à Luna a melhor experiência de férias que fosse possível. Se ela
não estivesse aproveitando, nada valeria a pena.
A fase em que a pequena está nos poupou
muito espaço, já que só usa fralda noturna e come de tudo. Mas pra não correr o
risco de esquecer nada de importante, fiz pesquisas e listas de tudo que
precisaria levar. E mãe de primeira viagem fazendo a mala da primeira
viagem da filha merece um desconto. Recebi uma leve vistoria por parte
do marido que me obrigou a tirar uma coisa ali e outra aqui. Mesmo assim o
processo foi bacana, pois tudo que ia sendo separado era mostrado à pequena
viajante e, na medida do possível, Luna ajudava a escolher o que levaríamos.
Acredito que não tem tanto a ver com a
idade avançada, mas a minha fase de Diário de Bordo já passou, e por
mais que a vontade seja de deixar registrado cada minuto daquela semana, o que
me é realmente caro são as experiências que vivemos e a maneira que elas me
afetaram como pessoa e nos afetaram como família.
A viagem foi maravilhosa. Testemunhar Luna descobrindo o próprio corpo aprendendo a se movimentar na água e criando “independência” em relação a isso foi sensacional. Permitir que as férias fossem completas e deixá-la tomar um sorvete sozinha de sobremesa foi relaxante pra mim, mãe neurótica com alimentação. Viver novas experiências com pessoas que amo tanto foi marcante.
A viagem foi maravilhosa. Testemunhar Luna descobrindo o próprio corpo aprendendo a se movimentar na água e criando “independência” em relação a isso foi sensacional. Permitir que as férias fossem completas e deixá-la tomar um sorvete sozinha de sobremesa foi relaxante pra mim, mãe neurótica com alimentação. Viver novas experiências com pessoas que amo tanto foi marcante.
A viagem foi maravilhosa, sem dúvidas. Mas
o tal do ‘descanso’ de férias não rolou. Talvez isso acontecesse antes, quando
a minha visão sobre a vida e sobre as relações eram outras, quando as
preocupações das férias eram escolher o biquíni do dia, a roupa do jantar ou sorrir
nas fotos pra deixar minha mãe feliz com seus registros da viagem. Desta vez eu
acordava pensando no que Luna ia comer no café da manhã, no que precisava levar
na bolsa quando saíssemos para conhecer uma praia distante, se eu tinha passado
protetor suficiente, se naquela refeição a massinha daria conta de entretê-la à
mesa, se ela comeria bem, em qual parte do passeio seu sono falaria mais alto
do que poderíamos distraí-lo e ela pudesse ter uma crise de birra. Tirando os
momentos que um ou outro brincava com a pequena, eu passava a maior parte do
dia sem tirar os olhos dela; e isso é um colírio delicioso, mas cansa, muito!
Por mais longe que se esteja de casa,
por mais que tenha se distanciado da rotina, ninguém deixa de ser si mesmo. Nós
três estávamos de férias, num lugar diferente, mas continuávamos com nossos
defeitos, qualidades e com as características de cada idade (no caso da Luna). Na
maior parte da viagem a mocinha foi incrível, aguentou a programação intensa,
os deslocamentos, os momentos de espera, as nossas escolhas, o dormir tarde, o
acordar cedo, o comer o que escolhíamos.
Mas em alguns momentos, seu desejo por
independência alternado ou misturado com a vontade de nos testar desencadearam
atitudes que nos deixaram à flor da pele. Essas atitudes variavam da insistência
por colo em momentos que não poderíamos pegá-la e a vontade de andar sozinha em
momentos onde carregá-la era necessário. Transitavam entre querer comer
sozinha, se vestir sozinha, arrumar as coisas sozinha, quando precisávamos
agilizar o processo, e querer comida na boca, quando eu gostaria que comesse
sozinha por estar morrendo de fome e querer comer também. A viagem foi
maravilhosa, nos aproximou e em momento algum colocou à prova o que sinto pelos
meus amores, mas testou limites entre mãe e filha, pai e filha e marido e
mulher. Meus limites chegaram a ser ultrapassados e lidei com alguns deles de
uma maneira que não acredito ser saudável e me arrependo terrivelmente. Foram
dias que me fizeram perceber que o amor precisa estar sempre acima de tudo, mas
que ainda precisamos nos alinhar como família.
Que muitas outras viagens aconteçam;
talvez em outros formatos, com outros preparativos, combinados e expectativas.
E que nos tragam mais fotos, descobertas e amadurecimentos.
Ah! Antes que eu me esqueça... O famoso texto do Pedro Bial que diz “Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro seria esta: usem o filtro solar!” faz todo sentido. Mas se eu pudesse dar uma dica sobre o presente seria esta: nunca, em hipótese alguma, se esqueçam de levar massinha de modelar em passeios com filhos pequenos. Elas fazem milagres à mesa!
Ah! Antes que eu me esqueça... O famoso texto do Pedro Bial que diz “Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro seria esta: usem o filtro solar!” faz todo sentido. Mas se eu pudesse dar uma dica sobre o presente seria esta: nunca, em hipótese alguma, se esqueçam de levar massinha de modelar em passeios com filhos pequenos. Elas fazem milagres à mesa!
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